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sábado, 7 de fevereiro de 2015

"O Ministério da Justiça, parece que bebe" Por Alex Antunes | Alex Antunes – sex, 6 de fev de 2015 Compartilhar 319 Tweet Imprimir image O Ministério da Justiça fez uma daquelas tentativas infelizes de “falar a linguagem dos jovens”. Trata-se de uma postagem da campanha virtual #BebeuPerdeu – o título/conceito já é meio sem noção, porque explora a idéia de que é impossível beber sem fazer, err, bobagem. Afirmar para a juventude que “não pode beber nada” parece totalmente ineficiente. Me lembrao “Drogas, tô fora” (havia o complemento “drogas, tou fora. Fui comprar”) ou o “Esportes sim, drogas não” (hã? o que uma coisa tem a ver com a outra?) de outras épocas. Frases como “Viu aí? Bebeu, perdeu. Curta a adolescência sem beber” não significam absolutamente nada, para quem é adolescente e quer beber ou se drogar. Acontece que a imagem (retirada após três horas de postada, com um pedido de desculpas) mostra uma moça desconsolada, olhando seu celular, enquanto duas outras riem dela. Ou seja: é forte a sugestão de que a moça cometeu alguma inconveniência, ou que cometeram com ela. Possivelmente sexual. Falar a linguagem dos jovens significaria, antes de mais nada, entender porque os jovens gostam de beber, e de usar drogas. E uma das respostas é, evidentemente, porque gostam de perder os parâmetros do que é um comportamento “adequado”. Para se soltar. Não é esquisito beber, ou se drogar. Do meu ponto de vista, esquisito é achar que a sociedade se comporta normalmente (?) quando está sóbria. A frase “curta a adolescência sem beber” é quase uma contradição. Em novembro passado, a atriz Letícia Sabatella (que não é uma jovenzinha) foi fotografada bêbada, deitada no chão. Estava acompanhada de amigos e do marido. Após uma tentativa da mídia moralista de desmoralizá-la (foram usados termos de “vexame” para baixo), a boa surpresa é que tanto Sabatella quanto o público trataram com naturalidade a questão de passar do ponto da bebida de vez em quando. Sabatella disse “me recuso a sentir vergonha”, e aconteceram manifestações de apoio nas redes sociais, como eventos para “deitar na BR com Letícia Sabatella”. A própria atriz compareceu em um dos deitaços, realizado em Brasilia. A mensagem é óbvia: estando cercada de amigos, não há muito com o que se preocupar, se passar um pouco do ponto na celebração (é só preciso evitar um coma alcoólico – e não deixar o hábito virar alcoolismo. Mas isso é uma questão de saúde, e não moral). Já a mensagem da campanha do ministério é óbvia: mulher não pode beber. Porque, se beber, vai se arrepender. E isso é uma ameaça. Recentemente explodiram denúncias de abuso sexual nas festas da USP, incluindo estupro. As denúncias continuam a aparecer. Frequentemente tratam de situações que envolvem o consumo de álcool – é hábito nos trotes em inúmeras faculdades a “celebração” descambar em abuso dos calouros, pelos veteranos. image Evidentemente o problema não é o álcool em si. É a disposição de usar o álcool, combinado com situações de “poder”, para o abuso. O patriarcado não gosta de tratar dessa questão abertamente. O diretor da faculdade de medicina da USP pressionou a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa a não entrar no problema, e o professor que presidia a comissão de investigação acabou se afastando da universidade. Essa truculência evidentemente não é “despertada” pelo álcool, e independe dele. Se o que o Ministério da Justiça pretendia era apenas evitar durante o carnaval muitas ocorrências de coma alcoólico por parte de bebedores inexperientes (é essa a alegação do governo), não deveria cair na armadilha de contratar uma agência para desenvolver campanha tão idiota. E cara: “O custo de produção dos cinco vídeos institucionais e de veiculação de todas as peças publicitárias, incluindo outdoors e painéis, alcançou R$ 5 milhões”. O que a campanha do Ministério fez, na prática, foi legitimar e institucionalizar as citações de bullying e de abuso. Pior, na versão masculina da peça, a lógica é inversa: o rapaz se arrepende de mandar mensagens de desculpas para a ex. A ideia de que os homens ficam sentimentais com a bebida encobre que frequentemente acontece o oposto. Homens, quando querem vingar sua babaquice, não costumam ter muitos problemas em forçar a barra. Para quem não consegue forçar a barra, há até cursos de pegação forçada. O Ministério da Justiça inverte o problema real: a mulher que bebe acaba sofrendo algo que fazem com ela. E o homem que bebe faz os outros/as sofrerem, ao externar sua agressividade, inclusive sexual. Ainda assim, a campanha prefere tentar vender o peixe da culpa da mulher. Mais ainda, na foto quem está rindo dela, com cara de “bem feito”, são outras duas moças. De novo os homens, que costumam ser os agentes do bullying sexual, são poupados. No caso dos trotes, frequentemente as mulheres são obrigadas a beber, por coerção social, ou por coerção física mesmo. Para não restarem dúvidas de como a coisa funciona, a Globo da Bahia (veja foto) fez a seguinte enquete: “Você acha que o beijo forçado no carnaval deve ser proibido?”. Como assim? Já é proibido. E se chama estupro. image O que emerge dessa campanha de ficção é uma visão judaico-cristã perfeitamente medieval: se há pecado no mundo, ele é induzido pela parte diabólica que as mulheres carregam (a sexualidade), e os pobres homens só podem ser considerados vítimas, por perderem o controle sob essa provocação. Todas as escolhas, no texto e nas imagens, apontam para isso. Não há menção ao problema real: quando a celebração alcoólica dá passagem à agressão machista, ao abuso. O fraco pedido de desculpas do Ministério diz: “A campanha #BebeuPerdeu é muito mais do que isso. Nós nos equivocamos com a peça. Ela tem o objetivo de conscientizar jovens até 24 anos sobre os malefícios do álcool. Atuamos em políticas públicas em conjunto com a Secretaria de Políticas para a Mulher (SPM) contra a violência doméstica, o feminicídio e outras formas de violência contra a mulher. Pedimos desculpas pelo mau entendido e, ao mesmo tempo, contamos com a colaboração de todos na campanha”. Acontece que não há mau entendido. Há, como de costume, covardia, moralismo e cegueira marqueteira. Como disse uma amiga minha, os publicitários que fizeram a peça provavelmente bebem. Possivelmente cheiram. Em linguagem popular, a expressão “parece que bebe” se refere a quem comete erros bisonhos. O Ministério da Justiça, ele parece que bebe. Siga-me no Twitter (@lex_lilith) Paginação Anterior Somos todos Sheislane – e Rafinha Bastos é mais ainda NOTICÍAS EM FOTOS 1 - 4 de 8 Mais fotos » Alex Antunes Alex Antunes é jornalista, escritor e produtor cultural e, perguntado se era um músico frustrado, respondeu que música é a única coisa que nunca o frustrou. Foi editor das revistas Bizz e Set, e escreveu para publicações como Rolling Stone, Folha Ilustrada, Animal, General, e aquela cujo nome hoje não se ousa dizer. Tem uma visão experimental da política, uma visão política do xamanismo, e uma visão xamânica do cinema. 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